terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Presidentes

"Nós temos de responder à ameaça da mudança climática, sabendo que se recusar a fazê-lo seria trair nossas crianças e as futuras gerações". "Pode ser que alguns ainda neguem o posicionamento contundente da ciência, mas ninguém pode fugir dos impactos devastadores de incêndios furiosos, secas debilitantes e tempestades mais poderosas".  Essas palavras não são de James Hansen, ou Michael Mann. Tampouco de Bill McBibben, fundador da 350.org, ou de um dirigente do Greenpeace ou do WWF. São de Barack Obama, no discurso de posse para seu segundo mandato.

O vergonhoso silêncio que perdurou por quase toda a campanha presidencial foi quebrado primeiro pelo furacão Sandy, que matou 253 pessoas (131 nos EUA) e acumulou prejuízos de mais de 65 bilhões de dólares. Depois, o próprio Obama teve de retirar a cabeça da areia e, já no discurso da celebração da vitória, render-se ao óbvio.

Presidente Susilo, calças dobradas, em sua residência, em Jacarta

Esta semana, outro presidente teve uma desagradável surpresa. As águas das tempestades de monção que estão atingindo a Indonésia invadiram até a casa do seu Presidente, Susilo Bambang Yudhoyono. 100 mil pessoas foram desalojadas e 25 perderam suas vidas, neste país que, há pouco, foi brutalmente atingido pelo supertufão Bopha. Num contraste brutal, confirmando o que temos dito sobre a exacerbação dos extremos, a Austrália tem ardido em chamas e as imagens que chegam dos incêndios são de um verdadeiro inferno na Terra. E é certo que, com a generalização e intensificação dos eventos extremos, a água não tarda a molhar outros traseiros presidenciais (ou monárquicos). Ou pior, o fogo pode não tardar a queimá-los.

Acontece que, como sabemos, há bem mais em jogo do que declarações em dias de festa, inundações e incêndios. O poder mundial, como já frisamos em diversas ocasiões, se concentra nas mãos de um punhado de corporações, em sua maioria (11 entre as 12 maiores) ligada à indústria fóssil. As duas maiores companhias do mundo, Shell e Exxon, possuem, cada uma, faturamento anual superior ao PIB norueguês e basta uma dúzia de empresas do ramo petroquímico para suplantar o PIB alemão, 4º maior do mundo. Pressões da indústria petroquímica levam a absurdos como o projeto de Keystone XL, a exploração do petróleo no pré-sal ou a conduta dúbia do governo australiano a respeito do carvão, mesmo após ser aprovada legislação taxando as emissões.

Mapa mostrando o trajeto do oleoduto
de Keystone XL, desde Alberta
Mas há um elemento novo que precisa ser considerado. Ainda que não seja, infelizmente, na forma de um amplo movimento de massas, unitário na perspectiva de transformações profundas na sociedade, cujas possibilidades abordei neste texto, pressões imensas deverão surgir em função do crescimento de desabrigados por enchentes, deslizamentos e incêndios florestais.

Obama e outros presidentes serão testados seriamente ao longo deste ano. Internamente, para nos restringirmos somente à política de combustíveis (a política externa de seu governo seria suficiente para tirar-lhe toda e qualquer credibilidade), Obama tem assumido uma posição dúbia sobre Keystone XL (ao lado). Trata-se de um enorme oleoduto construído para levar betume diluído de Alberta, no Canadá até vários pontos nos EUA. Trata-se da extração de óleo em uma das fronteiras dos combustíveis fósseis, aquelas que chamamos de reservas "não convencionais" que, como mostramos em diversos momentos, precisam permanecer intocadas. É óleo embebido em areia (por isso diz-se "areia betuminosa"). Cientistas (dentre eles James Hansen e Michael Mann) assumiram uma posição claramente contrária à construção desse oleoduto, em carta a parlamentares ("Quando outros campos de petróleo e minas de carvão enormes foram abertos no passado, sabíamos muito menos sobre os danos que o carbono que eles continham provocariam sobre o clima da Terra e os oceanos. Agora que nós sabemos, é imperativo que nos movamos rapidamente para formas alternativas de energia, e que deixemos o betume onde está"). Também já poderia se posicionar sobre a exportação estadunidense de carvão. Ele e os demais dirigentes das diversas nações serão testados, sobretudo, nas próximas rodadas de negociações climáticas, afinal é vergonhoso e criminoso, diante de tantas evidências da urgência que temos, se nenhum acordo que preveja cortes profundos nas emissões de gases de efeito estufa seja estabelecido até 2015. Particularmente Obama assumiu - e é bom que anotemos - que não tratar seriamente da questão climática seria uma traição. A história, em breve, nas pessoas de nossos filhos e netos, fará o julgamento dele e de sua geração de chefes de Estado.

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