quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ex-Carnaval! Quanta indecência!

Há bastante tempo, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro descolou-se por completo das tradições de uma festa popular, para se tornar um grande negócio. Há mais de 30 anos, o Império Serrano já falava das "Super-Escolas de Samba S/A" em seu histórico enredo "Bum-bum-praticumbum-prugurundum". Mas acredito que nem o mais crítico dentre os que conceberam o enredo do Império naquele ano imaginava o que estaria por vir...

Gigantesco carro alegórico da Grande Rio, em forma de
plataforma de petróleo.
O que vem se confirmando é uma tendência de que os patrocínios públicos e as velhas ligações com os bicheiros se tornem fontes insuficientes para o acúmulo de recursos necessários para bancar o desfile extremamente caro, luxuoso e midiático. Além de governos de estados e municípios, grandes empresas capitalistas passaram a ver o desfile do carnaval carioca como uma vitrine privilegiada. Governantes, não raro corruptos, e empresas que têm tudo para serem antipatizadas (em virtude dos setores econômicos em que atuam) passam a se blindar por trás do samba, dos e das passistas, do colorido das fantasias e alegorias, para venderem uma imagem mais aceitável.

Nesse sentido, o desfile de 2013 foi para superar qualquer um dos anteriores. Deixei a sonolência - que me abate há vários anos, ao assistir o desfile pela TV - quando me deparei com o "samba-enredo" da Acadêmicos da Grande Rio, enaltecendo o petróleo, tocando no background... 

É evidente que aquilo me trouxe profunda indignação, sendo eu conhecedor da profundidade dos males associados à indústria do petróleo. Além da questão climática, tão extensivamente abordada em outros textos que mostram a necessidade de se abandonar o petróleo e extinguir o uso de combustíveis fósseis, há outras que mereciam, da parte de qualquer indivíduo sério nesse planeta, uma abordagem mais crítica do que fazer apologia ao "ouro [negro] para alimentar o mundo" ou do apelo a mentiras do gênero "explorar não é destruir" e "se faltar vira o caos" (esta última uma aberração quando se sabe que o recurso não é renovável). 

Informações sobre o vazamento da Chevron, na Bacia de
Campos, há somente 15 meses atrás!
Dentre as outras questões, paralelas ao clima, incluo as guerras e a presença militar ostensiva das potências imperialistas sobre o Oriente Médio (Guerra do Yom Kippur, em 1973, Irã-Iraque, de 1980 a 1988, Guerra do Golfo, em 1991 e invasão militar do Iraque, em 2003) e os constantes acidentes graves, incluindo inúmeros vazamentos (como os devastadores vazamentos da Shell na Nigéria, o gigantesco desastre da BP no Golfo do México ou o, injustificadamente esquecido vazamento da Chevron, em plena Bacia de Campos). Somados os dois aspectos (guerras e acidentes), já se tem uma catástrofe humanitária e ambiental de proporções gigantescas, mesmo que o petróleo fosse inofensivo para o sistema climático global! De tão próximo, no tempo e no espaço, ao desfile ridiculamente apologético, o vazamento na Bacia de Campos (com informações acima) deveria estar minimamente vivo na memória. 

Esta deveria ter sido a "Comissão de Frente" da Acadêmicos
do Grande Rio. Concepção por Matheus Rodrigues
(@matheusrg no twitter)
Cinicamente, o presidente da Grande Rio, Edson Alexandre, declarou: "Não é um enredo de patrocínio, ninguém veio aqui para dar dinheiro para a escola falar disso, e foi a OMPETRO (Organização dos municípios produtores de petróleo) que nos deu um apoio". Essa "organização" é presidida por ninguém menos que Rosinha Garotinho e é fundamental saber quem banca a entidade. Sabe-se que, por diversos meios indiretos, a indústria de combustíveis fósseis lança seus tentáculos de financiamento, evitando em muitos casos que o receptor dos recursos tenha sua imagem vinculada à indústria de petróleo. Foi o caso escandaloso até de instituições de caridade nos EUA, que eram usadas como laranjas para que o recurso das petroquímicas chegasse a falsos institutos de pesquisa que faziam propaganda de negação da mudança climática! Quem realmente bancou o espetáculo deprimente e milionário da Grande Rio, e por que mecanismos, é uma pergunta que fica no ar (assim como ficam no ar, a aquecer o planeta, as moléculas de CO2 advindas da queima no petróleo).

Carcaça de cachalote, no Golfo do México, resultado do
vazamento da British Petroleum
Em tempo. Recolhi-me após esse espetáculo deprimente da Acadêmicos do Grande Rio. Já havia sido muito difícil aguentar ver peixes, águas-vivas, pássaros e répteis sendo retratados em alegorias e fantasias, quando se sabe qual o verdadeiro impacto histórico da exploração do petróleo sobre a micro e macrofauna marinha. A estimativa é a de que, considerando somente cetáceos (baleias e golfinhos), foram cinco mil mortos no vazamento da BP, no Golfo do México.

Resultado do vazamento da Chevron
Daí, foi somente a posteriori que soube que a Unidos de Vila Isabel, que veio a ser campeã, foi bancada pela Basf. Ou seja, os dois principais inimigos do clima em Terra Brasilis, a indústria de combustíveis fósseis e o agronegócio, estavam representados... uma verdadeira aberração! No caso da Unidos de Vila Isabel, é certamente um triste fim para uma escola que, um dia, já celebrou a Kizomba, falando da destruição do apartheidhomenageando Zumbi e a resistência negra...

Dragão do agronegócio, a BASF patrocinou o desfile da
Unidos de Vila Isabel. Golpe de marketing bem sucedido!
Marcelo Freixo, quando candidato a prefeito do Rio de Janeiro no ano passado, foi duramente criticado ao querer discutir o carnaval carioca, especialmente as grandes escolas. Ao meu ver, mostra-se justo e necessário. Há muito recurso público investido para que essas empresas de publicidade em que se transformaram as ex-escolas de samba só se preocupem em captar mais dinheiro do setor privado para fazer a sua propaganda. Virou um ex-carnaval. Virou um escárnio.

2 comentários:

  1. Realmente lamentável, camarada, que mais uma vez expressões populares como o Carnaval carioca estejam sendo apropriados por interesses escusos do Capital. Resistir é preciso.

    ResponderExcluir
  2. Se um dia, antes de escrever, você se der ao trabalho de ler o enredo sobre o "ouro negro", vai ver que boa parte desse seu texto todo é besteira... Informe-se antes de escrever...

    ResponderExcluir

Copo "meio cheio" não salva uma casa em chamas

Alok Sharma, presidente da COP26, teve de conter as lágrimas no anúncio do texto final da Conferência, com recuo em tópicos essenciais "...

Mais populares este mês