segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

400 partes por milhão e a Luta de Classes (artigo de Victor Wallis)

Desde 1958 a concentração de CO2 vem sendo medida na es-
tação de Mauna Loa, no Havaí. Seu crescimento é incessante
e acelerado, ofuscando o que deveria ser o padrão natural de
"sobe-e-desce" da "respiração" e fotossíntese globais.
Apresentamos um artigo bastante interessante, de autoria de Victor Wallis, originalmente publicado em "Spectrezine", republicado por "Socialism and Democracy", e por "Climate and Capitalism".

Como se sabe, o CO2 anualmente tem um "sobe-e-desce", associado ao ciclo das estações do ano principalmente no Hemisfério Norte. No outono para o inverno, as árvores perdem as folhas e sua decomposição gera CO2 que vai para a atmosfera, enquanto na primavera e verão, as folhas renascem, a fotossíntese domina e a sua concentração cai. Acontece que quando se olha para uma sequência de vários anos, o padrão que se obtém é a chamada "Curva de Keeling", mostrando claramente que a acumulação de CO2 causado pelas emissões humanas é o padrão dominante e que esse aumento tem se acelerado incessantemente.

Em 2013, a marca de 400 partes por milhão (ppm) foi ultrapassada pela primeira vez, em 09 de Maio daquele ano. Em 2014, a concentração desse gás medida a partir da estação de Mauna Loa esteve acima de 400 ppm por três meses (Abril a Junho). Em 2015, o primeiro dia do ano já registrou nada menos do que 401,57 ppm e ainda há muitas expectativas de novos recordes: 1) A média mensal de Fevereiro deve ultrapassar 400 ppm de longe, já que em Janeiro ficou em 399,96 ppm e deve ficar acima desse valor pelo menos até Julho; 2) O pico, em algum dia do mês de maio deve ficar acima de 404 ppm; 3) A média anual deve ficar acima de 400 ppm pela primeira vez, o que é inédito pelo menos nos últimos 800 mil anos e provavelmente em mais de dois milhões de anos. Estas marcas prenunciam um porvir em que dificilmente a Terra retornará a valores abaixo de 400 ppm em pelo menos centenas ou milhares de anos, já que as projeções são as de que a humanidade permaneça emitindo "a rodo".

O baixo nível de preocupação em meio à população em geral, aos movimentos sociais e à esquerda são, nesse contexto, extremamente preocupantes, como se não se tratasse de um problema gigantesco e urgente. Daí, o texto de Victor Wallis, publicado em 2013 não apenas permanece atual, como ganha ainda mais importância. Temos o prazer de apresentá-lo em nosso blog:

400 partes por milhão e a Luta de Classes

O capitalismo pode não estar matando "o planeta", mas é
certo que está destruindo as bases materiais de sustentação
da vida humana de de muitas espécies. A extinção e não
somente a barbárie aparecem no horizonte como possível
desfecho trágico da aventura humana na Terra sob esta
organização socioeconômica que nos transformou em
predadores globais.
400 partes por milhão de dióxido de carbono atmosférico pode parecer um marco arbitrário, mas dado que o consenso científico é o de que 350 ppm é o máximo compatível com a sobrevivência de longo prazo de nossa espécie, devemos tomar esse novo quadro como uma ocasião para refletir sobre para que rumos a sociedade humana está sendo levada.

Suspeito que, em muitas partes do mundo, o limiar de 400 ppm está sendo ultrapassado sem que se dê muita importância. São muitas as preocupações de natureza mais imediata no caminho, sejam elas as rotinas da vida diária ou os eventos mais espetaculares, quase sempre da gama de "más notícias", que, exceto nas páginas desportivas, inundam a mídia.

Isso é lamentável, pois, embora muitas dessas questões chamem nossa atenção de maneira legítima, as condições para a nossa sobrevivência coletiva estão sendo prejudicadas em uma base contínua, enquanto nós não estamos a observar o processo.

Na medida em que as pessoas não se apercebem deste perigo, é inútil criticá-los. O que devemos fazer, em vez disso, é descobrir as ligações reais que existem entre as ocorrências inevitáveis do dia-a-dia e as forças que estão minando progressivamente as condições de vida. Um passo necessário para o estabelecimento de tais ligações é entender - e explicar aos outros - que o destino do meio ambiente é uma questão de classe.


"Capitalismo é igual a caos climático", uma das consignas do
movimento "Flood Wall Street".
É claro que a destruição do meio ambiente, em última análise, engolfará pessoas de todas as classes, incluindo até mesmo os capitalistas (independente do sucesso de curto prazo que possam ter em acumular riqueza). Mas as questões políticas imediatas são, todavia, emolduradas pela questão de classe em diversas maneiras.

Primeiro de tudo, é o interesse de classe do capital que dita a busca permanente de crescimento econômico. Sem essa direção geral capitalista, o aumento da atividade econômica em alguns setores poderia ser mais do que compensado pela atividade reduzida em setores cuja produção não contribui para o bem estar humano (por exemplo, indústria de armamentos, luxos de estado, número excessivo de carros, etc.).


No que diz respeito a espécies em risco de extinção,
#SomosTodosUrsosPolares
Relacionado a isso está o fato de que agentes políticos do capitalismo consistentemente obstruem os esforços para proteger a população contra atividades ambientalmente destrutivas, tais como os processos cada vez mais perigosas envolvidos na extração de combustíveis fósseis (por exemplo, perfuração em águas profundas para o petróleo, remoção do cume para o carvão, fraturamento hidráulico para o gás natural).

De modo mais geral, embora seja verdade que ninguém tem um interesse assumido em destruir o meio ambiente, o capital tem interesse em bloquear medidas que poderiam protegê-lo. Em países onde a oposição política ao capital é bem organizada, tal obstrução pode ser parcialmente neutralizada. Mas, dada a escala extrema do perigo atual, é necessário fazer mais do que apenas regular e punir os piores abusos; temos de redefinir as prioridades de produção e consumo. Precisamos de menos aviões e mais bicicletas; menor número de áreas de estacionamento e mais biodiversidade; menor número de aparelhos de alta tecnologia e mais oportunidades para a interação direta no espaço público.


Justiça climática ou caos climático? Cada ppm de CO2 na
atmosfera é, objetivamente, apoiar a segunda opção.
Em uma escala global, a oposição mais forte à alteração dessas prioridades vem dos governantes do país que encarna mais plenamente o poder do capital, ou seja, os Estados Unidos. Aqui (o autor é estadunidense, observação minha), o capital exibe o seu instinto básico com um mínimo de restrição. Ele dominou a tal ponto o debate ambiental que o próprio fato da mudança climática produzida pelo homem ainda é amplamente visto como algo a ser provado.

Assim, todos os níveis da batalha política sobre a política ambiental estão ligados a interesses de classe. A classe capitalista, com o compromisso de acumulação e expansão, ainda detém a maioria das posições de força e reconhecer essa dimensão de classe da luta ambiental é importante, tanto a nível nacional quanto internacional.

No plano interno, podemos nos tornar mais alertas para como a preservação do meio ambiente está vinculada a outros interesses da classe trabalhadora ou demandas anticapitalistas. As forças que impulsionam o assalto sobre o meio ambiente são as mesmas que buscam manter os salários baixos e que retiram recursos da satisfação das necessidades humanas para concentrar riqueza e manter a supremacia militar global.

A dimensão militar nos alerta para o nível internacional em que precisamos considerar o impulso anti-ambiental do capital. É de conhecimento comum que a natureza não reconhece fronteiras políticas. O que é feito na ecosfera em uma localidade afeta todas as outras localidades também. Isto proporciona às pessoas em todos os países um interesse legítimo sobre as ações realizadas em todo lugar, na medida em que estas afetam o futuro do planeta.

Mudança de sistema sim, mudança climática não! Que se
destrua o capitalismo para que este não destrua o
ecossistema global.
O interesse comum de pessoas através das fronteiras nacionais nos lembra mais uma vez a necessidade do tipo de internacionalismo que foi inicialmente colocado no Manifesto Comunista, mas que, posteriormente, sofreu contratempos esmagadores em todo o mundo. Seu princípio básico é bastante simples. A classe trabalhadora (ou, mais geralmente, a maioria popular) em cada país tem mais em comum (em termos de interesses básicos) com os seus homólogos de outros países do que com a classe dominante no seu "próprio" país.

Para Marx e Engels em 1848, essa percepção foi a chave para a consciência revolucionária. Para nós, no século 21, é também a chave para a sobrevivência.

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